A
ocasião aqui é aquela em que um intérprete da lei está examinando a
correção doutrinária de Jesus e acaba caindo na sua própria armadilha.
Tendo concordado com Jesus em que para "herdar a vida eterna" é preciso
amar o próximo como a si mesmo, ele acaba achando essa declaração mais
rígida do que desejaria.
O
"intérprete" então, o estilo dos eruditos, tenta livrar-se da armadilha
fazendo uma pergunta capciosa: "Quem é o meu próximo?" Ele estava
tentando justificar-se porque certamente sabia que não amava os seus
próximos como a si mesmo.
Jesus descreve a história de forma tão excelente que o samaritano só
entra já perto do final, antes que as portas da mente se possam fechar. O
samaritano personifica perfeitamente a resposta à pergunta capciosa do
intérprete - quem é o meu próximo? - e ao mesmo tempo destrói as
suposições gerais a respeito de quem "logicamente" herda a vida eterna.
Quando Jesus afinal faz a pergunta decisiva - "Qual destes três te
parece ter sido o próximo do homem que caiu na mão dos salteadores?" -,
qualquer pessoa decente só tem uma resposta a dar Assim, o intérprete
teológico responde: "O que usou de misericórdia para com ele". Para ele
seria demais dizer apenas: "o samaritano".
Mas nós precisamos dizê-lo, e precisamos compreender o que isso significa.
Significa que as conjecturas gerais dos ouvintes de Jesus sobre quem
tem vida eterna precisam ser revistas à luz da condição dos corações das
pessoas. O relato não ensina que podemos ter vida eterna apena por amar
o nosso próximo. Também não podemos nos safar com esse belo legalismo. A
questão da nossa postura diante de Deus ainda precisa ser levada em
conta. Mas na ordem de Deus nada pode substituir o amor pelas pessoas. E
definimos quem é o nosso próximo pelo nosso amor. Fazemos de alguém o
nosso próximo cuidando dele.
Não definimos uma classe de pessoas que serão os nossos próximos para
depois elegê-los objetos exclusivos do nosso amor - deixando os outros
estirados na estrada. Jesus habilmente rejeita a pergunta - "Quem é o
meu próximo?" -e a substitui pela única pergunta realmente relevante
aqui:" De quem serei eu o próximo?". E Ele sabe que só podemos responder
a essa pergunta caso a caso no nosso dia-a-dia. De manhã ainda não
sabemos quem será o nosso próximo naquele dia. A condição do nosso
coração irá determinar quem é que, ao longo do caminho, será o nosso
próximo, e principalmente a nossa fé em Deus é que determinará se
teremos força bastante para fazer desta ou daquela pessoa o nosso
próximo.
No relato do bom samaritano, Jesus não só nos ensina a ajudar os
necessitados; num nível mais profundo, Ele nos ensina que não podemos
identificar quem "tem a vida eterna", quem "está com Deus", quem é
"bem-aventurado" só por olhar as aparências. Pois esta é uma questão do
coração. Só ali o reino dos céus e os reinos humanos, grandes e
pequenos, estão entrelaçados. Estabeleça as fronteiras culturais e
sociais que quiser, e Deus dará um jeito de atravessá-las.
"O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração" 1Sm 16:7. E "Aquilo que é elevado entre os homens é abominação diante de Deus" Lc 16:15.